Desde
o Código Napoleão vige o entendimento de Portalis, segundo o qual os artigos de
um código devem ser interpretados uns pelos outros.
É a falta dessa
elementar orientação hermenêutica que explica certas interpretações errôneas da
nova Lei Civil, dando lugar a imperdoáveis invencionices, sobretudo em matéria
de sociedades limitadas.
Antes de tecer algumas
considerações sobre esse assunto, parece-me oportuno lembrar que, na
sistemática da nova codificação civil, há uma distinção básica entre associação e sociedade, aquela relativa a atividades científicas, artísticas e
culturais, esta pertinente à atividade econômica.
Por sua vez a sociedade
se desdobra em sociedade econômica em
geral e sociedade empresária.
Têm ambas por fim a produção ou a circulação de bens ou serviços, sendo
constituídas por pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir para o
exercício de atividade econômica e a partilha entre si dos resultados.
Exemplo
típico de sociedade econômica não empresária é a constituída entre
profissionais do mesmo ramo, como, por exemplo, a dos advogados, médicos ou
engenheiros, configurando-se como sociedade
simples (arts. 966 e 981) cujo contrato social é inscrito no Registro Civil
das Pessoas Jurídicas, salvo quando se tratar de sociedade de advogados que se
inscreve apenas na OAB (Art. 16 da Lei
8.906/94).
O Código
Civil não define o que seja “sociedade empresária”, limitando-se a dizer que
ela é constituída por empresários como tais, sendo inscrita na Junta Comercial que é o Registro Público de
Empresas Mercantis (Art. 967).
Estabelecidas
essas distinções fundamentais, é preciso lembrar que o maior número das
sociedades empresárias é formado pelas sociedades por quotas de responsabilidade
limitadas, as quais têm o mais amplo espectro, indo desde as micro-empresas ou
de pequeno porte até gigantescas sociedades que atuam como holding, ou seja, como entidade de regência de uma rede de
sociedades, inclusive anônimas.
Ora,
uma das contribuições relevantes do novo Código Civil se refere à distinção
entre sociedades limitadas de grande envergadura, com mais de dez sócios, para as quais são previstos órgãos como o
Conselho Fiscal e a Assembléia Geral – e as sociedades com menos de dez sócios,
as quais decidem em reunião de sócios,
e não em assembléia, a qual somente é
obrigatória se o número dos sócios for superior a dez, de conformidade com o §
1º do Art. 1.072.
Isto
não obstante, advogados há que, treslendo ou não lendo devidamente o novo
Código, levando em conta a totalidade de suas prescrições, acabam afirmando que
seriam criados graves embaraços às sociedades limitadas de reduzido capital,
exigindo a criação de Conselho Fiscal ou sujeitando-as a gravosas despesas,
como, por exemplo, a publicação de seu balanço em jornais de grande circulação,
o que é pura invencionice.
É
preciso, com efeito, atentar que, conforme disposto no Art. 1.053 e seu
parágrafo único, os casos omissos no Capítulo IV, pertinente à sociedade
limitada, regem-se pelas normas da sociedade
simples, salvo se os sócios houverem estabelecido a regência supletiva
pelas regras da sociedade anônima. É somente neste caso que há obrigatoriedade
da publicação dos atos, sendo permitido só a de extrato, como prevêm os parágrafos
do art. 230 da lei sobre sociedades por ações.
É,
ainda, a falta de interpretação sistemática que não permite compreender o que
seja sociedade simples, havendo quem
a destine a reger as ONGs, ou seja, as organizações não governamentais, o que é
um absurdo!
Exemplos
corriqueiros de sociedade simples são
as numerosas sociedades que reunem os que exercem a mesma profissão, tais como
se dá com advogados, engenheiros, médicos, etc., à vista do parágrafo único do
Art. 966, segundo o qual “não se considera empresário quem exerce profissão
intelectual de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o
concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão
constituir elemento da empresa.”
Cabe
notar que, mesmo quando é admissível a criação de Conselho Fiscal, este é
facultativo, podendo ser instituído ou não consoante disposto no contrato
social (Art. 1066).
Dir-se-á
que a nova lei prevê formalidades especiais para convocação das assembléias,
mas não é menos certo que elas são dispensáveis “quando todos os sócios
comparecerem ou declararem por escrito, cientes do local, data e ordem do dia”.
Além
disso, de acordo com o parágrafo 3º do artigo 1.072, “a reunião ou a assembléia
tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a
matéria que seria objeto dela”.
Como
se vê, tudo foi feito para dispensar a convocação de reunião ou de assembléia
conforme a sociedade tenha menos ou mais de dez sócios.
O
que, na realidade, incomoda certos críticos é a possibilidade de serem
convocadas reuniões ou assembléias “por sócio, quando os administradores
retardarem a convocação por mais de sessenta dias, nos casos previstos em lei
ou no contrato”, e também “por titulares de mais de um quarto do capital social,
quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentada,
com indicação das matérias a serem tratadas”.
Trata-se,
como se vê, de medidas cautelares destinadas à proteção da minoria, que, de
outra forma, não teria como salvaguardar seus interesses.
Alega-se que, tornando obrigatórias as
assembléias nas hipóteses acima previstas, são aumentadas as despesas com
administração, mas essa objeção é de um ridículo espantoso, sendo própria dos
que querem ter mãos livres para usar e abusar das posições de mando.
Finalmente,
cabe lembrar que, conforme artigo 2.031 das Disposições Finais e Transitórias,
as associações e sociedades têm o prazo de um ano para se adaptar às
disposições do novo Código Civil.
15/02/2003