VARIAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO

 

MIGUEL REALE

 

                                                         Educação é assunto que volta e meia deve ser tratado, não somente dada a importância do tema como à demora de certas providências reclamadas.

                                                         A primeira e a de mais reticente reclamo é o ensino federal superior, que costuma ser o do mais alto custo do País e de seus piores resultados. Refiro-me ao ensino superior, onde as universidades federais deixam muito a desejar, quer em razão das deficiências dos corpos docentes, quer pelo reduzido resultado dos alunos.

                                                         Os dados conhecidos demonstram como há deficiências graves, sobretudo quando é ele confrontado com o ministrado pelas universidades estaduais. Daí a conclusão de que há necessidade de revisão dos cursos, sobretudo no que se refere ao professorado superior.

                                                         A situação é preocupante porque é da competência da União o ensino superior, que deixa de servir de modelo, quer no que tange à educação em si, quer relativamente ao progresso dos estudantes.

                                                         Pense-se, por exemplo, nos cursos jurídicos que são os mais deficientes, como o demonstram os concursos realizados para escolha de juízes, procuradores ou delegados de polícia.

                                                         Quando se diz que o Brasil é a terra dos bacharéis, bem se pode imaginar a deficiência que reina nesse campo.

                                                         Quanto ao ensino fundamental, que constitucionalmente cabe aos municípios e aos Estados federados, a crítica não poderia ser mais negativa. Elevado a nove anos, devia ele ser distribuído de maneira a competir os primeiros cinco às escolas municipais, e os quatro restantes aos cursos estaduais, pois é evidente que os municípios não têm capacidade de oferece-los de maneira suficiente. É claro que a situação muda em relação às capitais dos Estados e às cidades de grande renda e população.

                                                         Se insisto sobre esse ponto, é porque é evidente a incapacidade da maioria de novos municípios, quer quanto ao número de estabelecimentos escolares, quer à qualidade do ensino  por eles prestado.

                                                         Nesse sentido, volto a dizer que devia haver uma mudança na matéria, cabendo, via de regra, o ensino dos primeiros cinco anos às escolas municipais, e dos restantes aos ginásios estaduais, salvo os casos de municipalidades abonadas, que são poucas. Voltaríamos, assim, ao sistema de escolas preliminares completadas pelos ginásios, o que daria mais organicidade ao tema.

                                                         Os três anos finais competiriam aos colégios ou liceus, o que viria dar um sentido mais claro ao ensino médio, hoje não bem caracterizado por suas duas finalidades complementares: a de um estudo bastante para a maioria dos adolescentes, e uma preparação adequada para ajustar os exames vestibulares.

                                                         Quanto a estes, não é demais uma revisão, de tal modo que sejam mais adequados à época em que são exigidos, e tenham um sentido mais prático do que teórico, uma vez que nesse mesmo sentido deveriam ser organizados os exames destinados à entrada na universidade.

                                                         Tem sido observado que os exames vestibulares, em alguns setores, primam pelo exagero doutrinário, o que, em grande parte, explica o número de candidatos repetentes, surpresos com as questões formuladas.

                                                         Como se vê, a reforma do ensino deve ser global, não ficando limitada a certos níveis onde a necessidade revisional é mais evidente.

                                                         Não é demais dizer algo ainda sobre o ensino superior que não devia se destinar apenas às matérias tradicionais, passando a ser criados cursos técnicos de pequena duração, que permitirão a maior número de alunos de afrontar a vida com antecedência e pragmatismo.

                                                         Em artigo anterior, nesta mesma página, pleiteei a fundação de cursos de Ciência Política, para atender ás necessidades de preparo para a vida administrativa, e à prática da vida representativa, desde os estabelecimentos do município até à União. Será uma maneira de fornecer curso superior de grande utilidade para a democracia do País.

                                                         Como se vê, o que me parece indispensável é programar cursos práticos da mais ênfase possível, em virtude do ensino cada vez mais crescente de ciências e técnicas que o conhecimento vai acrescentando. Modernizar-nos, eis o que é necessário fazer.

                                                         Os cursos técnicos de pequena duração, repito, são aconselháveis, a fim de que não fiquem sobrecarregados os cursos tradicionais.

                                                         Nas aulas dadas na universidade, prevalece o sistema coimbrão do professor que faz uma preleção, ou seja, uma aula magistral e monocórdica, sendo raro os cursos com seminários ou laboratórios, como se dá nos cursos de clínica médica ou de química.

                                                         Quanto a ministração do ensino em si mesmo, seria conveniente que, periodicamente, fossem feitos quesitos sobre a matéria dada, não me parecendo que haja assunto incompatível com esse processo.

                                                         Outra iniciativa salutar seria a de provocar debates entre os alunos, escolhendo tema dos mais relevantes, pois a discussão teria a virtude de por em evidência os grandes assuntos tornando a participação dos estudantes mais viva  e persistente.

                                                         É preciso levar em consideração que a educação não deve ficar limitada ao ensino, envolvendo necessariamente a pesquisa e a prestação de serviços à comunidade, formando esses três caminhos a coroa fundamental de orientação da meteria que estamos examinando.

                                                         Não se deve esquecer que nos países mais desenvolvidos economicamente, a pesquisa científica é em geral feita pelos grandes organismos econômicos, ou pelas grandes empresas, com grande quadro de patentes protetoras no país e no estrangeiro. Ao passo que no Brasil não podemos deixar de atribuir, primordialmente, a pesquisa às universidades, como acontece exemplarmente com a Universidade de São Paulo, USP.

                                                         Quanto ao progresso de um povo, deve se reconhecer que ele se desenvolve “pari passu” com o crescimento econômico. E este depende fundamentalmente da educação.

                                                         Como se vê, todos os programas estão interligados e a educação atua como um eixo dos fatores operantes.

11.03.2006