VARIAÇÕES SOBRE COMPETÊNCIA

MIGUEL REALE

 

                        Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso acusam-se, reciprocamente, de “incompetência”, fundamentando sua assertiva com a invocação de medidas falhas ou contraditórias. A bem ver, ambos podem ter razão, pois a administração pública é um acervo complexo de atos e providências, que somente pode ser apreciado em conjunto.

                        A esta altura do mandato de Lula não creio que se lhe possa negar competência, tendo razão o prezado amigo e confradade Antonio Ermírio de Moraes quando reconhece que ele representou uma “saudável surpresa”, ao ter a coragem de abandonar algumas idéias econômico-financeiras, pleiteadas pelo PT na linha de um reformismo populista, para uma série de felizes decisões exigidas pelo desenvolvimento sustentado.

                        Por outro lado, o êxito que ele teve no Congresso Nacional aprovando projetos de leis básicas, há vários anos em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado, tanto na legislação constitucional como na ordinária, constitui pontos positivos de governo, o que explica o aumento de seu prestígio político-eleitoral.

 

                        Esse reconhecimento leal, à margem de quaisquer preconceitos partidários ou ideológicos, não nos deve, todavia, levar a incondicionais aplausos, exigindo uma valoração isenta e global.

                        A palavra competência é polissêmica, abrangendo múltiplas acepções, genéricas umas e particularizadas outras. Em sentido geral, diz Antonio Houaiss que competência significa “aptidão de uma autoridade pública de efetuar determinados atos”. Já em sentido estrito, o termo se refere à legitimidade de decisão e de poder conferida a um órgão ou entidade para praticar certos atos.

                        A exigência de legitimidade insere no vocábulo competência a necessidade do valor de coerência e de não contradição, de tal modo que as decisões tomadas sejam entre si harmônicas ou complementares, sob pena de compromete-las do ponto de vista ético, político ou jurídico. É desse valor de coerência intrínseca que não devemos olvidar, ao julgarmos os comportamentos governamentais.

                        Nessa ordem de idéias não se pode afirmar que a administração Lula seja isenta de defeitos, tantas são as contradições que a comprometem.

                        A primeira questão criticável é representada pelo tratamento dado ao Movimento dos Sem Terras, MST, o qual, a pretexto de defender direitos dos trabalhadores rurais à produção agrícola para sua subsistência, garantindo-lhes acesso ao nosso imenso patrimônio territorial disponível, na realidade constitui um irregular partido político sem registro, à margem da Constituição e das leis.

 

                        Os líderes do MST gozam de tantas prerrogativas perante a administração federal que não agem às ocultas, mas proclamam livremente seus planos subversivos contra a política agrária nacional vigente, declarando ostensivamente estarem executando os ideais de Antonio Gramsci, o grande pensador italiano encarcerado pelo regime fascista. Gramsci, considerado erroneamente um socialdemocrata, jamais negou sua filiação ao partido comunista, considerando Lenine seu chefe. Fazendo parte do Comitè Executivo da  Internacional Comunista, Gramsci se notabilizou por dar um novo sentido ao marxismo, sustentando que o operariado não devia valer-se apenas da luta de classes, na luta contra o capitalismo, sendo seu primeiro dever assenhorar-se dos valores culturais. A conversão da cultura em técnica de conquista e domínio do poder, eis a poderosa idéia revolucionária que caracteriza a política de Gramsci, dada a sua convicção de que quem domina a cultura domina o Estado. Quem quiser maiores informações sobre o pensamento gramscista pode encontrar subsídios em meu livro O Estado Democratico de Direito e o Conflito das Ideologias.

                        Pois bem, agitando essa bandeira, O MST dispõe de verdadeira milícia armada de foices, enxadas e armas de fogo, com a qual ocupa fazendas produtivas ou não, assim como prédios oficiais como meio de impor sua vontade, implantando o terror no campo.

                        Na linha do culturalismo de Gramsci, o MST mantém escolas de formação política, tanto para adolescentes como para adultos, distribuindo livros e panfletos de caráter revolucionário.

                        Perante tal panorama subversivo, o Governo Federal nada faz, prestigiando-o até mesmo com pronunciamentos favoráveis de Ministros de Estado. Não podia haver, por conseguinte, maior prova de incompetência política, pois são previsíveis as conseqüências dessas atividades manifestamente inconstitucionais.

                        Preocupa-me, no atual governo federal,  a falta de unidade de comando, com altas autoridades a todo instante se contradizendo sobre problemas básicos, como, por exemplo, no que se refere à política da proteção do meio ambiente, refletindo-se na administração pública todos os conflitos gerados pelas diversas facções ideológicas que compõem o P.T.

                        No meu entender, não há maior sinal de incompetência do que a adoção de preferências partidárias como critério de escolha para exercício de funções de caráter técnico, confundindo-se, assim, o Estado com o partido político dominante.

 

15.01.2005