VARIAÇÕES SOBRE O BOM ANO NOVO

 

                                                        

MIGUEL REALE

 

 

                                                         Todo ano novo é acompanhado da esperança de bom tempo, porque a experiência nos mostra que não é possível qualquer previsão, por exemplo, de muita ou pouca chuva. Todo ano novo é mais baseado na esperança do que no valor atribuído ao tempo passado.

                                                         2.006 não se baseia na década vivida anteriormente em qualquer plano da existência, muito embora haja certa ligação entre o nosso comportamento de hoje e o de amanhã.

                                                         Mas na esperança não se pode deixar de levar-se em linha de conta a nossa conduta, sobretudo em se tratando de matéria de honestidade. Em assunto político, por exemplo, não podemos olvidar o valor atribuído ao nosso comportamento no trato da coisa pública.

                                                         2.006 será, em  grande parte o de julgamento da classe política que nos governa, ante os desmedidos abusos praticados em termos de corrupção. Será o ano de avaliação de deputados, vereadores e senadores, o que exigirá a contribuição da mídia oral e escrita para se lembrar do nome dos que agiram desonestamente.

                                                         Sem essa contribuição por parte do jornal, do rádio e da televisão, será impossível votar a favor ou contra os atuais parlamentares com a justiça devida, negando-se-lhes o voto nos próximos pleitos eleitorais.

                                                         O que a experiência nos ensina é dar valor ao voto, não se deixando para a última hora a escolha do merecedor de nossa confiança.

                                                         Se não tomarmos essa precaução, não poderemos amanhã nos queixar da falta de previsão oportuna na eleição dos novos parlamentares.

                                                         Outra experiência que nos vem do passado é a falta de providência devida na aplicação dos recursos orçamentários, a fim de que, mais uma vez, a desgraça da febre aftosa não atinja o nosso gado em virtude da falta da necessária aplicação dos preventivos cabíveis no caso e no tempo devidos. O mesmo caberá em outras hipóteses.

                                                         Bastam esses exemplos para se demonstrar que o “ano novo” não se baseia apenas e tão somente na esperança em dádivas do céu.

                                                         Outras providências serão indispensáveis, como no caso de tomar medidas contra o desbarrancamento de terra onde houver possibilidade de desmoronamento de casas, causando vítimas graves, com a chegada de fortes chuvas. Em casos tais, justifica-se o uso da força para obrigar a mudança de quem construir em lugar sem a mínima segurança. Uma providência dessa natureza contribuirá para um “bom ano novo”.

                                                         Dessarte, muito embora sejam sempre possíveis vítimas de desastres metereológicos, haverá sempre meios para dirimir-lhes os efeitos. Como se vê, não podemos deixar tudo por conta da esperança salvadora para termos “novos tempos”.

                                                         Foi Kant que primeiro ensinou o papel do espaço e do tempo na teoria do conhecimento ou Gnoseologia. Devemos prever sempre males onde houver risco para a existência humana.

                                                         Não podemos nos esquecer, em verdade que o “bom tempo” exige providências perenes, não bastando os votos que fazemos todo dia primeiro de janeiro, o que exige uma soma de conhecimentos empírica e pragmaticamente assentes com base na experiência de todos os dias.

                                                         Não se trata de estabelecer as bases de uma Teoria do Estado, preciosa aquisição da cultura humana, mas sim de fixar conhecimentos menos pretensiosos, ao nível da administração geral da coisa pública, e ao alcance dos recursos da União, dos Estados e Municípios.

                                                         Esse sentido de aplicação de medidas práticas e comuns é tão ou mais necessário do que a jurisprudência, sendo essas duas formas prudentes do saber o fundamento de todo e qualquer desejo de “novo ano” com “boa administração” e “boa justiça”.

                                                         Como ensina Kant, é da base comum e essencial do espaço e do tempo que devemos partir para estabelecer os princípios científicos, que nos fornecem as medidas de ordem prática que assegurem ao homem o mínimo de bem estar e de garantia.

                                                         Daí a conclusão que os dirigentes do Estado devem ser dotados de um mínimo de saber, não bastando ser escolhidos pela maioria dos eleitores. Eis ai uma norma inseparável do governo que desejamos que atenda ao “bom ano novo”.

                                                         Por ai se vê quantos efeitos compõem o sentido da verdadeira vida política, a mais rica de todas as formas de vida, porque dela depende o bem estar do povo.

                                                         Continuamos, pois, a ter esperança no “bom ano novo”, mas assumindo toda a responsabilidade dos atos em jogo.

                                                         Todo político que desejar ter a honra de exercer a presidência da República ou a governança do Estado deve ter estes dois requisitos: sabedoria resultante de estudo e cultura, mais experiência. São essas duas qualidades que se exigem para o bem estar de um ano novo.

                                                         Se houver unidade cultural não haverá Ministro de Estado em cotejo de idéias em conflito, nem haverá multiplicidade de programas em conjunto no plano estatal, o que é prova bastante de incapacidade.

 

14.01.2006