Os que analisam com isenção a política do presidente Luiz Ignácio Lula da Silva têm observado que ela obedece a duas diretrizes complementares, das quais resultam as demais. Uma consiste na permanente redução da nação ao Partido dos Trabalhadores, como se seus interesses fossem sempre coincidentes; e a outra decorre da persistente opção por soluções de caráter estatizante, em prejuízo dos valores democráticos.
Era natural que, nessa linha de orientação, chegasse a vez do problema
universitário, de conformidade com o Projeto de Lei concebido pelo Ministério
da Educação que tem recebido unânime repulsa de quantos integram os quadros
do ensino superior, ou tenham consciência de sua real missão no seio
da sociedade.
Conforme tem sido por todos reconhecido, o vício persistente de estatização
partidária compromete esse programa governamental, até o ponto de violentar
preceitos constitucionais que asseguram às universidades plena autonomia, tanto no que se refere à sua estrutura e organização
quanto aos seus objetivos e fins.
Se o Congresso Nacional viesse a acolher proposta tão infeliz e
desastrada, seriam irreparáveis os danos causados ao País, sendo esfaceladas
as
instituições universitárias que são, ao mesmo tempo, as bases e o resultado
mais alto da cultura de um povo.
Como o proclamam os idealizadores de tal monstrengo legislativo, visariam
eles dar um “banho de socialidade”
aos institutos universitários, subordinando-os a órgãos externos emanados e
constituídos por entidades sociais do mais amplo espectro, mas que nada têm a
ver com as finalidades e os destinos do ensino superior, atingindo-o mortalmente
em suas raízes.
Tudo resulta, por conseguinte, de uma subversão total da natureza própria
das universidades, que representam o resultado de um processo multisecular de seleção de valores intelectuais que se confunde com a civilização
mesma de um povo.
Basta um conhecimento superficial da história das universidades, desde
quando elas surgiram na Idade Média, dando novo sentido ao legado da cultura
greco-romana, para saber-se que quem diz universidade
diz seleção comunitária do saber
realizada por especialistas em todos os ramos da ciência, com base em processos
de investigação e de pesquisa dotados de metodologia
própria.
É claro que entre universidade
e sociedade
há uma vinculação essencial, mas esta não resulta da arbitrária e indevida
interferência de organizações
externas, mas sim de uma vivência própria,
à medida que na
coletividade
vão surgindo problemas resultantes das mutações operadas no desenvolvimento
tanto da vida comum (Lebenswelt) como no
progresso dos estudos sobre a realidade material e espiritual.
Como se vê, somente uma visão ingênua e ignara, como tal perniciosa,
pensa em sujeitar as universidades a aspirações e diretrizes de organismos
externos de natureza sindical, corporativa ou religiosa, sem perceber que elas já
se acham por inteiro no seio da coletividade, recebendo, dela o que há de
essencial e mais significativo, mas através de meios e processos seletivos de
conhecimento e valoração que somente a ciência proporciona.
É deveras lamentável que um governo, que se diz popular, ignore a origem e o destino das
universidades, privando-as de seu bem por excelência que é o poder-dever
de atuar com autonomia, de
conformidade com o disposto no Art. 207 da Constituição Federal, segundo o
qual “as universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio
de indissocialidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Nesse sentido, cabe dar saliência
a duas observações. A primeira é a de que a autonomia deve ser sempre
preservada, quer o Estado chame a si a organização e a direção das
universidades, quer estas caibam a pessoas jurídicas privadas, caso em que serão
estabelecidas as disposições legais necessárias para que seu exercício se dê
em benefício da coletividade, a partir da Lei complementar de diretrizes e
bases da educação nacional. Não pode, em suma, uma universidade privada ser
tratada como ‘longa manus” do
poder estatal, devendo ser assegurada a liberdade de sua organização e decisão,
obedecidas as normas gerais do que podemos denominar “convívio universitário”.
Por outro lado, deve-se dar a maior importância à extensão,
a que se refere o citado Art. 207, o que significa que uma verdadeira
universidade não deve se limitar a ministrar ensino, mas também a prestar
serviços à comunidade, por todos os meios a seu alcance.
Essa diretriz é fundamental sobretudo nos países em desenvolvimento. Se
nas nações de primeira linha são as próprias empresas privadas que realizam
as pesquisas técnico-científicas, exigidas pela sociedade, visando elas auferir
os respectivos resultados econômicos, nas nações menos poderosas, tal função
cabe sobretudo às universidades, cujo progresso não pode ser embaraçado por
pretensas e desastradas “revoluções sociais”, como a que a atual
administração federal em má hora pretende promover.
26/02/2005