SÃO PAULO, CIDADE TURÍSTICA
MIGUEL REALE
As estatísticas têm revelado, ultimamente, grande e crescente número
de turistas na Capital de São Paulo, sem que, até agora, se tenha determinado
com acerto as razões desse evento.
Costuma-se dizer que São Paulo não possui nada que lhe assegure
atraente cor local capaz de justificar a visita de viajantes do Brasil e do
estrangeiro, como é o caso do Rio de Janeiro, Salvador e Recife.
A meu ver, o que tem faltado, nessa apreciação, é a visão dos fatos
em seu conjunto, a começar pela impressionante quantidade de arranha-céus que
supera a da maioria das cidades do mundo, muitos deles dotados de novos valores
arquitetônicos que podem ser considerados de vanguarda, com impressionante
multiplicidade de “centros urbanos” dispersos
na imensidão da região metropolitana de caráter pluricêntrico.
Por outro lado, a intensidade do trânsito em qualquer hora do dia e da
noite já constitui algo de singular que não pode deixar de surpreender quantos
nos visitem, bem como o número de teatros, cinemas e restaurantes. Quanto a
estes, já se disse com razão que a Capital paulistana é o maior centro
gastronômico do planeta, possuindo exemplos de alimentação de todos os países,
com toda a riqueza de seus sabores
e temperos.
Se a esses fatores acrescentarmos a grandiosidade de suas atividades
empresariais, desde os bancos a sofisticados supermercados, já podemos dizer
que o que caracteriza São Paulo é o seu sentido
de integralidade, compondo em unidade múltipla, que não raro parece
dissonante, uma constelação de valores que alhures se desenvolvem separada e
isoladamente.
Além disso, para uma visão global, não há como esquecer a existência
de jardins residenciais, nos quais notáveis soluções arquitetônicas estão
em harmonia com a arborização abundante e diversificada.
Nem falta um parque fabril representativo, não obstante o êxodo de
parte de suas empresas, ocorrido nas últimas décadas, para outros Estados ou
para o Interior.
Uma cidade, porém, não é feita somente de elementos materiais, porque
ela possui também raízes históricas, antigas e recentes, que dão significado
especial, por exemplo, à região do Ipiranga, com o monumento da independência
nacional e o anexo museu, representativo da cultura nacional em múltiplos domínios.
O mesmo se diga do Parque Ibirapuera com dois pólos de referência, o monumento
dos bandeirantes e o obelisco comemorativo da revolução constitucionalista de
1932, a partir da qual se instaura definitivamente a história de nosso Estado
de Direito, de nosso ideal democrático.
É essa correlação entre presente e passado, a partir do Páteo do Colégio
até a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – alicerce primeiro da
autonomia nacional no plano do conhecimento das leis – que faz de nossa
Capital uma realização urbana marcada por constante projeção para o futuro.
Nada de extraordinário, por conseguinte, que se venha a São Paulo em
busca das raízes de nossa cidadania, no que esta tem de próprio, não obstante
a natureza pluralista da sociedade brasileira, misto de várias raças, desde a
era da descoberta até à da grande imigração a cavaleiro dos séculos 19 e
20, que abriu novos horizontes para nossa civilização.
Nem se pense que nos faltem motivos particulares como expressão de arte
e beleza. O que acontece, todavia, é que são os paulistanos mesmos que, muitas
vezes, desconhecem as realizações artísticas e culturais que nos envaidecem.
Nessa ordem de idéias, eu indago se já houve tempo para entrar na Catedral da
Sé, com altares de rara beleza, ou no Museu de Arte Sacra que nos permite
conhecer criações exemplares de nosso passado artístico. Por outro lado, o
MASP, a Pinacoteca do Estado e o Museu de Arte Contemporânea já seriam motivos
bastantes para justificar a vinda a Piratininga, tal a excelência das obras pitóricas
e esculturais neles reunidas, que somente encontram símile nos países do
primeiro mundo.
Por outro lado, como ignorar salas de concerto, como a Sala São Paulo
que o Governador Mário Covas nos brindou, com surpreendente aproveitamento da
antiga estação da Estrada de Ferro Sorocabana, alcançando a mais apurada técnica
acústica e arquitetônica ?
Nem é possível olvidar o que podemos ostentar no plano paisagístico e
científico, como o Butantã, o Jardim Botânico e o campus da Cidade Universitária
da Universidade de São Paulo.
O que acontece é que São Paulo em geral ignora a si mesmo. Quando
estamos em cidades estrangeiras, fazemos questão de “conhecer tudo”, mas não
temos esse espírito quanto à cidade em que moramos.
Nessa ordem de idéias, eu indago do prezado leitor se ele já teve oportunidade de conhecer, perdida no Glicério, a bela igreja de Nossa Senhora da Paz, cujo altar-mor e via sacra foram esculpidos por Galileu Emendabile, com preciosos afrescos de Fulvio Penacchi. Aproveito, aliás, a oportunidade para lembrar que os cálculos arquitetônicos dessa igreja, bem como do obelisco do Ibirapuera se devem a meu cunhado, o engenheiro Mario Edgard Henrique Pucci, um dos maiores assessores do prefeito Prestes Maia. É ele injustamente esquecido por não figurar, nessas obras, por ser servidor municipal, o que explica que até agora não haja sequer uma rua com seu nome.
6/11/2004