SOCIALISMO À BRASILEIRA, COM
CORRUPÇÃO
A esta altura dos acontecimentos determinados pelo Partido dos Trabalhadores, temos elementos bastantes para a apuração da verdade, transcendendo o plano dos meros indícios.
A verdade é demonstrada geralmente por três teorias, a da correspondência,
a da coerência e a da pragmática. No seu Novo Dicionário
de Lógica, Leonidas Hegenberg e Marilúze Ferreira de Andrade e Silva assim
as definem: “(1) a teoria da correspondência afirma que uma proposição
(ou um significado) é verdadeira (o) se existe algum fato ao qual corresponda;
em outras palavras, uma proposição é verdadeira se expressa o que
efetivamente ocorre (a correspondência em tela fica implícita, em geral, como
se fosse fácil de perceber ou compreender); (2) a teoria da coerência
afirma que “verdade” seria atributo de sistemas. Uma proposição é
verdadeira, por esse prisma, quando elemento necessário de um “todo” sistemático
e coerente; (3) enfim, a teoria pragmática afirma que uma proposição
é verdadeira na medida em que “funcione”ou “se revele satisfatória”.
Note-se que esse “funcionar” (“revelar-se satisfatória) fica, em geral,
estabelecido de muitos modos, de acordo com as preferências pessoais dos
defensores da teoria.”
Pois bem, os fatos ocorridos desde as surpreendentes revelações do
deputado Roberto Jefferson, quando se desentendeu com seus pares, não são senão
a confirmação de um fato fundamental e verdadeiro, sob os três pontos de
vista supra expostos: a transformação do PT em um partido único cujo plano
consistia em realizar um gigantesco desvio de verbas para, mediante elas, se
apossar da máquina administrativa do Estado, graças ao pagamento de vultosas
contribuições dadas a dezenas de parlamentares, e seus associados. Já se
elevaram a dezoito o nome dos deputados que já tiveram suas responsabilidades
comprovadas para base de cassação de mandato.
Felizmente, Jefferson fez seu clamoroso pronunciamento, sem o qual a nação
teria sido exposta a não perceber a trama existente até as eleições do próximo
ano.
Não há mais dúvida sobre a relação entre o empresário Marcos Valério
e o Tesoureiro do PT, Delúbio Soares, em impressionante correspondência com as
épocas em que se tornaram necessárias as operações programadas, havendo
conformidade perfeita entre os atos praticados e as contribuições pagas,
impropriamente denominadas mensalão, pois não faz diferença que um
deputado receba pagamentos ilícitos de mês a mês ou de uma só vez.
Além de atender a essa correspondência, as quantias recebidas pelos
deputados vinham satisfazer a seus
fins visados, quer fosse a título de pagamento de campanha eleitoral, quer como
retribuição personalíssima. Existe, ademais, um perfeito atendimento dos fins
pragmáticos, com admirável coerência com a estrutura montada, tendo como base
a correlação entre o empresário Marcos Valério e o tesoureiro Delúbio
Soares, ambos agindo, supostamente, como longa manus do Ministro Chefe da
Casa Civil, deputado licenciado.
Os dados até agora obtidos já demonstram a proporcionalidade existente
entre o valor dos saques feitos pelos parlamentares, à revelia da lei e dos
bons costumes, e o destino de seus atos, em uma coerência que teria sido
extraordinariamente vantajosa se realizados para fins lícitos ou em benefício
do bem comum.
Estando, desse modo, comprovada a verdade da corrupção, convertida em
fundamento de uma original socialização de bens públicos, tudo sempre às
ocultas da fiscalização da Justiça Eleitoral, não há que vacilar quanto à
apuração das responsabilidades e à severa punição dos culpados.
Assim sendo, não há como pensar em acordo ou em medidas cautelares, a
fim de ficar demonstrado o caráter benigno de nossa experiência democrática.
A democracia não é absolutamente incompatível com o rigor das penas
aplicáveis aos que ferem os princípios básicos do Estado de Direito. Ao contrário,
exatamente pelo espaço de liberdade que consentem, devem os democratas
verdadeiros ser implacáveis no que se refere à aplicação da lei cabível em
cada caso.
O essencial é que haja plena correlação entre o que é proclamado e os
fatos aprovados, como se dá com a existência de um banco dotado de
relacionamento e competência especiais com a tesouraria de um partido político,
atendendo prontamente aos saques solicitados pelos parlamentares. Tudo indica a
ocorrência de comportamentos efetivos no quadro coerente de uma estrutura pré-estabelecida.
Não se diga que estou sendo complacente quando admito a hipótese da não
participação do presidente da República, pois, salvo seja, não me parece que
até agora tenha sido encontrado indício veemente dessa interferência. Prefiro
admitir antes uma omissão resultante de quem demonstrou pouca vocação para o
exercício da função administrativa. Resultante condenável e sinal de
manifesta incompetência por parte de quem se acha no mais alto cargo da República,
mas que não implicou, até agora, na realização de atos que justifiquem a
decretação de seu impedimento, tal como previsto na Constituição.
O que houve foi a desilusão dos intelectuais marxistas da USP que
sonharam com um PT organizado e atuante como um partido socialista de cunho ético,
o que, porém, não lhes dá o direito de proclamarem, como fez a filósofa
Marilena Chauí, que “o verdadeiro engajamento exige muitas vezes que fiquem
em silêncio”...
A verdade, ao contrário, exige o reconhecimento dos que erraram ou traíram
a própria causa, concordando com a sua punição exemplar. Fora disso, o que há
é apenas omissão e complacência ominosas.
Admito, mesmo após o naufrágio do “socialismo real”, com o fracasso
da URSS, que se aspire por um socialismo eqüitativo e ético, mas, quando a
corrupção passa a ser a razão de ser de seu dinamismo, só nos resta aplicar
as penas que a Constituição e as leis ordinárias determinam.
É o que a nação espera, nesta que é a maior crise moral e política
da história da República, não se podendo admitir que o Poder Judiciário
possa interferir na competência privativa do Legislativo na alta missão que
lhe confere a Constituição.
24.09.05