A REVOLUÇÃO DA MULHER
MIGUEL REALE
Quando se fala tanto na revolução global causada pelos processos eletrônicos
de comunicação, até o ponto de qualificar-se a nossa era como sendo a da
Informática ou da Cibernética, parece-me que assiste razão aos que põem
antes a tônica na revolução da mulher,
referindo-se ao papel que o chamado belo sexo passou a representar no mundo,
subvertendo-lhe as coordenadas fundamentais.
Trata-se de um movimento silencioso e gradual, sem ímpetos e arroubos
repentinos e espetaculares, cujas raízes se confundem com as da própria
civilização, assinalando o ponto culminante de suas conquistas no
desenvolvimento dos valores culturais. Não há dúvida que as condições de
sua eclosão se devem sobretudo ao sexo masculino, com o seu avassalador predomínio
no campo das ciências naturais e humanas, por mais que se diga que todo grande
homem pressupõe uma grande mulher e seu trabalho comum complementar.
O certo é que, no giro de poucas décadas, a mulher veio competir com o
homem em todas as suas atividades, não apenas nas que exigem apuradas inteligência
e sensibilidade, como se dá com as letras e as artes, mas também nas que
exigem vigor físico e muscular. A última delas é nas construções civis,
para assentamento de tijolos e blocos de cimento.
Há poucos anos uma minoria, já agora a mulher predomina sobre o homem
no exercício de muitas profissões. Para dar um exemplo, em 1930, em minha
classe na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, com mais de 250
colegas, havia apenas duas moças, quando agora elas constituem maioria, não
raro na vanguarda dos estudos.
Já agora estamos longe do tempo da “senhora do lar” que não tenha
outra ocupação senão essa, constituindo o centro de gravidade da família,
enquanto que, hoje em dia, prevalece o seu trabalho externo,
confiados os filhos às babás e às creches.
Essa emancipação da mulher ocorreu sem perda de nível cultural,
primando ela em muitos setores do conhecimento e das artes, superados antigos
preconceitos quanto à sua capacidade criadora ou participante. Estamos perante
um fato social novo, de outra natureza, como diversa expressão do “eterno
feminino”, o qual, de uma forma ou de outra, representa sempre componente
essencial de nosso ser social. Trata-se de um valor positivo, sobretudo no plano
religioso, onde, a meu ver, o catolicismo se sobressai por ser de Cristo e também
de Maria.
Todavia, como toda luz possui a sua sombra, essa alteração substancial
no papel da mulher representou uma queda no que se refere à estrutura
familiar, mesmo quando ela não abre mão de sua concomitante missão de mãe
ou de esposa. A família, que a Constituição continua considerando a “base
da sociedade”, já não é a mesma, visto como o seu centro referencial
sofreu uma inflexão violenta, alterado que ficou o polo condicionador por excelência
de seu equilíbrio, dependente da perene dedicação materna. Diga-se o que se
quiser a respeito, o que se deu foi uma diminuição no amor como vivência e
convivência.
Como ninguém pode desfazer alterações criadas pela “revolução da
mulher”, que, no dizer de Bobbio, é a “maior revolução de nosso tempo”,
cabe-nos transformar esse assunto no maior
problema de nosso tempo, reclamando a atenção dos filósofos, sociólogos,
políticos, de todos, em suma, em busca de adequada solução, que vai desde a
intimidade do lar até a responsabilidade da mídia eletrônica, pois, a babá
da criança abandonada a si mesma ou entregue aos cuidados de terceiros, pode
ser um deformador programa de televisão.
Pode-se dizer que uma das preocupações maiores deste começo de milênio
é a indagação sobre a posição social da “dona de casa”, muitas vezes
chefe de família, tão freqüente é o abandono imotivado da prole
pelo marido ou pelo companheiro, tranqüilamente esquecido de seus deveres
paternos. Nesse sentido, sempre estranhei o alheiamento do Ministério Público,
ao qual cabe a primordial missão de zelar pelos interesses difusos e coletivos.
Tem-se falado, ultimamente, em “aposentadoria
das donas de casa”, quando não exerçam outra função. Tal assunto não
pode ser posto de lado com um piparote, pois a “Previdência Social” tem-se
tornado cada vez mais um ramo da “Assistência Social”, como se deu com a
sua extensão aos trabalhadores rurais, independentemente de qualquer contribuição
anterior. O desequilíbrio crônico da Previdência Social resulta, em grande
parte, da carência de serviço social
prestado pelo Estado, sobretudo no tocante ao “bem
da família”, que tem sido
objeto de muita promessa e reduzida ação positiva.
O problema da “exclusão social” não pode ser tratado apenas em
termos de ordem financeira, reduzido tão somente ao superamento do desemprego
– o mal maior da atual e mundial economia capitalista – e ao desequilíbrio
que existe na contrastante riqueza existente entre regiões e classes sociais de
um País, de que o Brasil é exemplo apavorante.
Pois bem, a análise da “revolução da mulher” põe em pauta uma série
de gravíssimos problemas, tanto para o legislador como para os “vigilantes da
lei”, uma vez que não se pode deixar de situar no ápice do poder-dever do
Estado a obrigação de preservar, acima de tudo, o valor da pessoa humana, que,
em meus escritos, tenho considerado o valor-fonte
de todos os valores.
26/03/2005