A RESPOSTA DA LEI
MIGUEL REALE
Nunca se esteve tão perto da verdade, como na trágica crise política
que o País está vivendo. E nunca houve tanta hesitação em declarar quais os
responsáveis. No entanto, os indícios veementes se acumulam e se
correlacionam, como o demonstrou Miguel Reale Júnior no jornal Valor Econômico,
revelando a realidade subjacente.
Tudo consistiu na tentativa monstruosa de confundir um partido, o Partido dos Trabalhadores, PT, com as instituições político-administrativas do Estado. Que se visava senão um regime de partido único, sob as vestes de uma democracia trabalhista, possivelmente sindical?
Para tanto procurou-se o domínio do Congresso Nacional, comprando-se ou
alugando-se, onde houvesse resistência, os votos da própria e das alheias
agremiações partidárias.
A esta altura, com todos os elementos probatórios obtidos, testemunhais
e documentais, não se pode mais negar a existência de um crime político em
processo. Talvez tinha tido começo com o revoltante seqüestro do Prefeito de
Santo André, Celso Daniel, pois ficou provado que, nesse caso, quem pagou os
advogados de defesa dos acusados foi Marcos Valério de Souza, o eterno pagador
das propinas recebidas por deputados e senadores envolvidos na referida
aventura.
Ora, se estamos perante um crime político, devemos ir apurando a
responsabilidade dos parlamentares à medida que as investigações avançam.
Agora, já sabemos muitas coisas, como, por exemplo vários nomes de
deputados que fizeram saques nos bancos e organizações financeiras de Valério,
a pretexto de custear suas campanhas eleitorais. Admitindo-se essa finalidade,
como não deram conhecimento dessas despesas à Justiça Eleitoral, está
caracterizado crime eleitoral, falta de decoro parlamentar bastante para cassação
do mandato e perda de direitos políticos (Constituição Federal, Art. 55, § 1o
a § 4o).
As demais responsabilidades, por esses e outros delitos porventura
praticados, serão apuradas pelo Ministério Público perante o Supremo Tribunal
Federal, se se tratar de deputados e senadores, que têm foro especial.
Dir-se-á que, com tais medidas, não se recuperarão as instituições
nacionais, correndo-se o risco dos suplentes dos parlamentares destituídos
repetirem a triste façanha, mas esta é a conseqüência do sistema
representativo proporcional em vigor.
É claro que, mais do que nunca, se faz imprescindível a reforma política,
conforme já tive a oportunidade de expor em artigo nesta mesma página, no dia
2 de julho último, mas já teremos dado grande passo à frente.
Posta a questão em termos de um plano de conquista de Estado pelo PT,
temos a ótica indispensável para identificar os seus chefes, parecendo-me que
o cabeça do movimento só podia ser quem tivesse força suficiente no Planalto
e nas fileiras do PT, conforme denunciou o deputado Roberto Jefferson, que foi
quem revelou a trama, muito embora inculpando-se com referência ao “mensalão”.
Não fora assim, não haveria correspondência entre o acontecido e o complexo
unitário dos indícios até hoje comprovados.
A propósito, cabe-me salientar que o pagamento mês a mês das propinas
é secundário, porque o que importa é o parlamentar receber quantias, muitas
vezes vultosas, à margem de sua remuneração.
Não se pense que eu esteja
propondo a imediata cassação dos mandatos para pôr termo à nossa crise maior
desde o retorno à democracia. Ao contrário, faço votos que o Congresso
Nacional leve até o fim os trabalhos da CPIs instauradas, com o esclarecimento
pleno da situação. Seria irreparável o erro de qualquer acordo que terminasse
em uma composição amistosa, sem se determinar quais são os culpados e quais
os delitos a serem punidos.
Já que foram postos gravíssimos problemas, devem eles ser processados
na forma da Lei, “doa a quem doer”, como disse o presidente Lula, que não
pode de per si se proclamar inocente. Até agora, não me parece haja razão
para impedimento do Chefe da Nação, mas todos somos iguais perante a Lei.
Quando me refiro a condições já alcançadas para cassação de
mandatos, o que estou dizendo é que não há mais possibilidade de um perdão
generalizado, que nos cobriria de ridículo.
Devemos prosseguir nas verificações até onde mandam a Constituição e
o brio nacional. Só então é que deveremos cuidar de uma reforma ao mesmo
tempo eleitoral e partidária.
Estou convencido de que o que ocorreu não teria acontecido se a
Constituição de 1988 tivesse sido menos iluminista, estabelecendo regras
cautelares rigorosa, sobre a formação dos partidos políticos e sua representação
no seio do Congresso Nacional.
Como escrevi no artigo sobre a reforma política, supra lembrado, somente
com novas organizações partidárias e com a representação distrital é que
podemos aguardar melhores dias para a história da República, desde que se
resolva, também, adequadamente, sobre o “sistema de poder” ou “forma de
governo”, que, a meu ver, deve ser semi-presidencialista.
Terá também chegado a hora de corrigir-se o grande erro praticado com a
reeleição nas três esferas da Federação, prolongando-se o mandato do
presidente, dos governadores e dos prefeitos até cinco anos, mas nas futuras
eleições.
13.08.2005