A REFORMA POLÍTICA
É deveras deplorável a eclosão da maior crise ética de nossa vida
democrática, como a que ainda estamos vivendo, para se tornar a falar em
reforma política.
No entanto, a maioria de nossos juristas e politicólogos tem advertido que essa era a reforma primordial cronológica e constitucionalmente necessária, uma vez que está na base de todo o sistema representativo.
Tudo depende, porém, de determinar com segurança o que se deve entender
por “reforma política”, a qual pressupõe, antes de mais nada, algumas
diretrizes no sentido do sistema de poder, ou forma de governo.
Infelizmente, nesse ponto a Constituição de 1988 foi de uma
infelicidade total, em virtude de vários fatores, que impediram de fazer uma
distinção válida entre parlamentarismo e presidencialismo, ou uma solução
mista razoável.
No meu entender, no mundo atual, não se pode mais fazer uma distinção
nítida entre parlamentarismo e presidencialismo, porquanto cada um desses
sistemas atuou sobre o outro, exigindo composições mistas em função das
circunstâncias reinantes em cada País.
No Brasil, por exemplo, há necessidade de se comporem as duas formas de
governo, de tal maneira que possa existir maior conexão entre o Governo e o
Congresso Nacional, sem necessidade dos malefícios das medidas provisórias, só
admissíveis em casos excepcionalíssimos, admitida a sua apreciação pelo
Senado no prazo máximo de 30 dias úteis, e sem interferir no desenvolvimento
do processo legislativo.
Partindo desse ponto, já temos algumas soluções sobre as quais existe
a maioria de consenso, não sendo demais lembrar esses pontos básicos.
Em primeiro lugar, devemos reconhecer a conveniência de abandonar-se o
sistema atual de representação proporcional, dadas as grandes diferenças
entre os Estados, demográfica e culturalmente, preferindo-se a representação
distrital, ou seja, segundo um quadro de diversificadas regiões em cada Estado.
Nem se diga que essa distribuição regional apresenta dificuldades
insuperáveis, porquanto caberá ao Tribunal Eleitoral determinar as diversas
zonas eleitorais, em função do número de eleitores e de seu relacionamento
geográfico.
Apesar de algumas observações merecedoras de apreço, a opinião geral
é ainda no apontado sentido de representação distrital, cuja maior vantagem
consiste em estabelecer maior conhecimento entre quem vota e aquele que recebe
um mandato político.
Não hesito em falar em “mandato político”, porque o representante
eleito acaba respondendo por sua ação no próximo pleito, numa específica
prestação de contas. Na representação proporcional em um vasto eleitorado,
como é o estadual, esse vínculo entre o eleitor e o eleito praticamente
inexiste.
Antes de tratar de outros aspectos do tema, é imprescindível salientar
que a reforma política deve ser acompanhada e completada pela reforma eleitoral
e pela lei de organização partidária.
Só assim poderemos adaptar à nossa legislação o sistema alemão, pelo
qual haverá dois tipos de representação, visto ser destinada metade desta à
eleição de uma “lista especial” de candidatos escolhidos previamente pelos
partidos, numa seleção de candidatos, escolhidos por seu saber e prática política,
ficando a outra metade para a eleição majoritária nominal.
Se, como diz Sartori, a democracia hoje é uma “partidocracia”, é
natural que os partidos interfiram no resultado dos pleitos, muito embora haja
risco de privilégios na composição das “listas especiais” de
representantes.
Realçado esse ponto, voltemos a apreciar outros aspectos do tema. Entre
eles, lembro logo a conveniência do chamado “princípio de barreira”, pelo
qual não farão jus à representação política os partidos que tiverem, por
exemplo, menos de 5% dos votos do eleitorado, pois é sinal que ainda não
constituem força expressiva da vontade popular.
Pelas mesmas razões não se deve admitir o reconhecimento de agremiações
políticas sem que tenham votos correspondentes a pelo menos 5% da votação de
cinco Estados da Federação.
Por outro lado, devem perder o mandato os deputados que, sem justa causa,
deixarem de comparecer a 20 (vinte) sessões seguidas da Câmara dos Deputados
ou do Senão Federal. Afinal, trata-se de missão das mais altas essa de
legislar, que exige saber e dedicação. É a mesma razão pela qual deve
prevalecer o dever de fidelidade à legenda, com as imprescindíveis sanções
a quem trai seus eleitores.
Outra questão delicada é a do financiamento das eleições que, em
princípio, deveria caber, notadamente, ao Poder Público, exigindo-se rigorosa
comprovação da origem dos recursos voluntários, conforme aprovação da Justiça
Eleitoral.
Além disso, deve-se rever a legislação no concernente ao direito de
candidatar-se, que não pode ficar a critério estritamente pessoal, a fim de
evitarmos candidatos caricatos a Presidente da República, Governador dos
Estados e Prefeito, sendo destituídos manifestamente de aptidão para tão
relevantes atribuições.
Desse modo, ficaremos poupados de ver na televisão ou ouvir no rádio,
em programas políticos, pronunciamentos ridículos que nada justifica.
Dir-se-á que estou fazendo exigências em demasia, mas nada deve ser
mais rigoroso do que as condições de escolha dos representantes da nação. Se
essa é uma verdade geral, ela ainda mais se impõe em um País, como o nosso,
reconhecemo-lo honestamente, onde ainda não existe um eleitorado dotado de alto
preparo e discernimento, quando um menino de 16 anos e um quase analfabeto podem
fazer uso do voto.
Democracia é o melhor dos regimes exatamente porque tem como pressuposto
a deliberação da maioria, que se supõe dotada de um mínimo de capacidade
seletiva.
02.07.2005