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Discurso do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na solenidade de sanção do projeto de lei que institui o novo Código Civil Brasileiro

Palácio do Planalto

 10/01/2002

Senhor Vice-Presidente da República, Marco Maciel,
Senhor Senador Edson Lobão, Presidente Interino do Senado Federal,
Senhor Paulo Roberto da Costa Leite, Presidente do Superior Tribunal de Justiça,
Senhores Ministros de Estado,
Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal aqui presentes, nomeadamente, o Ministro Sepúlveda Pertence. E já me referirei, muito especialmente, aos demais Ministros aqui presentes,
Senhores Parlamentares,
Senhor Professor Miguel Reale,
Senhoras e Senhores,

 

Esta é, sem dúvida, uma ocasião histórica para o Brasil. Basta termos ouvido as palavras do Professor Miguel Reale para que se entenda isso.

Não é todo dia que se sanciona um novo Código Civil.

O Código antigo, quando deixar de vigorar daqui a um ano, terá tido quase um século de existência.

Foi uma obra de seu tempo, que contou com a participação de algumas das melhores mentes jurídicas do Brasil da época, como Clóvis Bevilaqua, na redação do projeto original, e Rui Barbosa, nas discussões subseqüentes. Cito os dois para não citar os tantos outros que cooperaram ativamente neste Código.

Mas com o passar dos anos, evidenciaram-se as limitações do Código. Não poderia ser de outra forma.

Nesse quase um século, o Brasil mudou muito e, não hesito em afirmar, mudou para melhor.

De uma sociedade predominantemente agrícola, como mencionava o Professor Miguel Reale, de fortes traços patriarcais, o Brasil se transformou em uma sociedade majoritariamente urbana, moderna, muito mais voltada para os valores da igualdade e da justiça social.

De uma jovem República, que adentrava o século XX dando ainda os primeiros passos na superação da herança escravocrata e na construção de uma institucionalidade democrática, convertemo-nos em uma das maiores e mais dinâmicas democracias do mundo. A terceira, em termos do seu eleitorado.

Entramos no século XXI como um país seguro de si mesmo, uma nação fortalecida pelo pluralismo da convivência entre várias etnias e várias culturas e, também, fortalecida pela adesão irrestrita aos direitos humanos.

Consolidou-se nossa vocação de aprofundamento da democracia e de aprimoramento das estruturas do Estado de Direito.

A Constituição de 1988 foi um marco.

No decorrer dessas muitas décadas, era inevitável que se modificassem não apenas as instituições políticas, mas também – talvez até de forma mais intensa – a própria tessitura das relações sociais, o dia a dia da sociabilidade que se vivencia na família, nas relações contratuais e de comércio, enfim, na infinidade de pequenos aspectos que perfazem o mundo do Direito Civil.

Temas cruciais para a vida dos indivíduos são, hoje, vistos em um ângulo muito distinto do que prevalecia quando se elaborou o antigo Código Civil.

A própria linguagem que usamos para nos referirmos a eles é outra.

Adquiriram novos contornos questões como a organização da família, o casamento, o divórcio, a proteção dos interesses das crianças ou a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres.

Questões como a de saber em que idade se deve reconhecer a plena maioridade do indivíduo, por exemplo.

Questões como a da função social da propriedade e dos contratos entre particulares.

Questões como a da organização das empresas e dos procedimentos a serem observados na condução de atividades de negócios.

Tudo isso evoluiu, naturalmente, com o tempo.

E evoluiu muito.

Avançamos no tema da igualdade dos direitos e dos deveres entre os cônjuges.

Avançamos na idéia de que a direção da sociedade conjugal deve ser exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher.

Seria desnecessário alongar-me nessas considerações, muitas das quais foram feitas, brilhantemente, pelo Professor Miguel Reale. Ele próprio achou que não havia cabida para uma exposição muito ampla e minunciosa, tantos são os aspectos envolvidos pelo Código.

Deixo-as para os juristas, que estão, naturalmente, melhor qualificados para descrever e analisar o significado dessas mudanças para a evolução do Direito brasileiro.

O mais importante é que o Brasil, que já havia conquistado avanços históricos com a Constituição de 1988, ganha hoje uma nova codificação de seu Direito Civil.

Introduzem-se normas que dizem respeito a aspectos centrais da vida de cada brasileiro ou brasileira, de cada criança ou adulto, de cada jovem ou idoso.

Foi um trabalho, indiscutivelmente, de grande mérito.

E era um trabalho necessário, que exigia profundo conhecimento jurídico. Mais do que isso: exigia um profundo conhecimento do Brasil, de nossa gente, de nossos costumes, de nossos valores. Ressaltou bem o Professor Miguel Reale que se trata de um Código Civil elaborado à luz da experiência jurídica brasileira, que encontrou uma formulação que é própria à nossa cultura, que se deveu a uma tradição jurídica brasileira e que se deveu à compreensão de todas essas modificações às quais já nos referimos.

Quero, por isso, prestar minha homenagem aos juristas que integraram a Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, presidida pelo Professor Miguel Reale, cuja contribuição ao Direito brasileiro e à Filosofia do Direito dispensa apresentações.

Para o Brasil, foi um privilégio contar com a sabedoria do Professor Miguel Reale na elaboração no novo Código.

Mas quero ressaltar também a contribuição dos demais membros da Comissão: nosso eminente membro do Supremo Tribunal Federal, José Carlos Moreira Alves, que participou ativamente, Dr. Agostinho de Arruda Alvim, Dr. Sylvio Marcondes, Dr. Ebert Vianna Chamoun, Dr. Clóvis do Couto e Silva e Dr. Torquato Castro.

Haveria, naturalmente, muitos outros nomes a mencionar, tantos foram os que participaram dos debates, dentro e fora do Congresso Nacional.

Entre os parlamentares que se debruçaram sobre esse desafio, é de justiça que se destaquem os nomes dos Deputados Ernani Satyro e Ricardo Fiúza e dos Senadores Nelson Carneiro – infelizmente, não mais entre nós – e Josaphat Marinho, que foram relatores-gerais do projeto e cuja contribuição foi essencial para que esse processo se concluísse com êxito.

Com seus 2.046 artigos, o novo Código dificilmente estará – e é natural - imune a críticas. Decerto, não faltará quem identifique pontos a serem aprimorados, questões novas que possam reclamar novos enfoques jurídicos.

É normal que seja assim, porque a crítica é parte da democracia que soubemos construir em nosso País.

O Direito não pode ser uma realidade estática, alheia às correntes históricas de mudança social. Nem pode a norma mudar a cada dia, porque isso geraria insegurança.

Entre esses dois imperativos, constrói-se o Estado de Direito como convivência de crítica e obediência, de questionamento e respeito, progresso e tradição.

É o que nos ensina Clóvis Bevilaqua sobre a missão do legislador, que segundo ele é a de – cito – "harmonizar dois princípios divergentes: o que se amarra ao passado e o que propende para o futuro."

Ou, para lembrar as palavras do Professor Miguel Reale, trata-se de – eu o cito – "afundar raízes no passado para melhor se alçar na visão do porvir."

De toda forma, por mais que se possa discutir este ou aquele pormenor, não resta dúvida de que o Brasil dá, hoje, um passo extraordinário na modernização de sua sociedade e no ordenamento de suas leis.

Um passo que se acrescenta a outros que já vêm sendo dados e que colocam o Brasil em um curso inequívoco de aperfeiçoamento jurídico.

Citaria, como exemplo, a criação de Juizados Especiais, civis e criminais, que começam a funcionar na próxima segunda-feira e que representam uma verdadeira revolução na Justiça Federal.

Os Juizados vão atender, sobretudo, a quem mais precisa: os beneficiários das ações de pequena monta que, muitas vezes, não podem pagar bons advogados e vêm perder seus direitos por atrasos na prestação da Justiça.

Como já disse, considero que esta será uma das obras sociais – e repito: obras sociais - mais relevantes de meu Governo e um divisor de águas na história do Judiciário brasileiro.

Quero aqui prestar também minhas homenagens ao Superior Tribunal de Justiça, que nos ajudou na formulação da lei que permitiu esse Juizado.

Outro avanço importante é o esforço de consolidação legislativa levado a efeito pelo Governo Federal.

A Casa Civil e os diversos Ministérios estão trabalhando para elaborar propostas de consolidação de normas. Algumas delas já foram submetidas ao Congresso.

O objetivo é eliminar divergências, conflitos ou repetições entre normas que tratem do mesmo tema. O resultado será uma legislação mais simples, mais racional e mais transparente. Calcula-se que seja possível transformar mais de 10 mil normas com força de lei em apenas 129 leis consolidadas.

Poderíamos mencionar outros exemplos de avanços legislativos, como as emendas que aperfeiçoaram a Constituição ou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que inaugurou uma nova era na administração das finanças públicas no Brasil.

O novo Código Civil insere-se, portanto, nesse grande movimento histórico de atualização e modernização do Estado de Direito no Brasil.

É uma tarefa que, em qualquer país do mundo, em qualquer momento, apresenta dificuldades e exige esforço.

O Brasil está mostrando que é capaz de realizá-la.

Temos um Congresso que tem sabido responder aos desafios dos novos tempos.

Temos a qualidade da nossa ciência jurídica, para iluminar e enriquecer o debate público.

E temos a força de nossa democracia para transformar as discussões em decisões legítimas.

Com isso, os brasileiros podem orgulhar-se seu novo Código Civil, uma obra que abre um novo período na história de nossa sociedade.

A todos os que contribuíram para torná-lo possível, manifesto, como Presidente da República, o reconhecimento de uma nação agradecida.

Muito obrigado.

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