CRISE DA JUSTIÇA E
ARBITRAGEM
Após reiterados estudos e debates, nos quais tomaram parte os nossos
mais cultos e experientes juristas e advogados, com o pronunciamento sereno e
objetivo de nossos mais esclarecidos magistrados, creio que já foram
determinadas as razões da tão malsinada Crise da Justiça.
Desde a alarmante morosidade para obtenção de sentenças definitivas e
sua imediata execução – ponderando-se que justiça tardia é justiça
nenhuma – até o leal reconhecimento de que nem mesmo o Poder Judiciário não
ficou isento dos malefícios da corrupção, pode-se dizer que não houve causa
relevante que não fosse aduzida para explicação da crise: os empecilhos de
uma legislação processual superada, que propicia recursos e expedientes que
solertes advogados convertem em instrumento tático de incabíveis e condenáveis
delongas; a carência nos órgãos judiciários dos meios eletrônicos que a técnica
de comunicação atualmente predomina nos domínios empresariais, prevalecendo
ainda antigas praxes cartoriais; a crise do ensino jurídico que impede a rápida
seleção de juízes à altura de sua alta missão, com acabrunhantes lacunas
nos quadros da magistratura; a revisão e atualização da organização judiciária,
graças à autonomia que a Constituição confere ao Judiciário; a falta de um
órgão de controle externo das atividades judiciárias, do qual participem
representantes da OAB, muito embora em minoria em relação aos membros togados,
sem qualquer interferência, é claro, no tocante ao poder de decidir privativo
dos juízes; condigna remuneração compatível com a alta missão confiada aos
magistrados, obedecidas, porém, as possibilidades financeiras do Poder
Executivo, e sem se criarem diferenças gritantes em conflito com seus
auxiliares.
Mais poderia acrescentar a essa lista de providências tendentes a
superar a crise em apreço, não podendo, todavia, omitir-me quanto a súmula
vinculante, condenada por falha compreensão da competência jurisdicional
atribuída ao juiz.
Nem posso, outrossim, deixar de ponderar que, como os dados estatísticos
o comprovam, a maior parte dos processos judiciais pendentes de julgamento final
corresponde a ações propostas pelos três graus da Administração Pública
federal, estadual e municipal, sempre inconformados com as decisões favoráveis
aos contribuintes, não obstante sucessivas decisões dos Tribunais superiores,
o que vem reforçar a necessidade da instauração da já mencionada súmula
vinculante.
Entra pelos olhos que as reformas e revisões supra elencadas não poderão
deixar de demandar longo tempo, sobretudo em virtude da alarmante demora do
Congresso Nacional no exercício de sua competência legislativa, e também
porque as carências do ensino jurídico, verdade seja dita, não têm contado
com a constante e pronta interferência do Ministério da Educação. Daí a
conveniência de recorrer a outras vias para diminuir a sobrecarga de ações
que pende sobre os órgãos judiciários.
É a esta altura que se põe cada vez mais a necessidade que deveriam ter
as empresas e os advogados de fazer mais constante e habitual emprego da Lei n.
9.307, de 23 de setembro de 1996, que implantou no País o processo de arbitragem.
Nesse ponto, aliás, a primeira advertência que faço é quanto ao caráter
de excepcionalidade que prevalece, no Brasil, quanto ao emprego da
arbitragem.
Se não me engano, é crença predominante, nos círculos empresariais, e
até mesmo na classe dos advogados, de que o processo de arbitragem seria mais
propriamente destinado aos negócios internacionais, e quando estiverem em jogo
questões de apurada técnica, cujo julgamento exija altos conhecimentos
especializados tanto dos peritos, que geralmente atuam no foro, quanto dos
magistrados.
Ora, se há algo que vai adquirindo cada vez maior consistência, no
mundo contemporâneo, é a opção normal – ou seja não excepcional
– da arbitragem como processo para resolver qualquer espécie de conflito
entre as partes de contratos de significativo valor, desde que se trate, é óbvio,
de litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Não há dúvida que uma das conquistas fundamentais da democracia é a
proclamada pelo Inciso XXXV do Art. 5o da Carta Magna, segundo o qual
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.
Pois bem, somente uma errônea interpretação poderia ver na arbitragem
uma violação desse mandamento, sobretudo nos termos em que a disciplina a
citada Lei 9.307/96, que, diversas vezes, prevê a interferência do juiz, quer
para superar qualquer dúvida quanto à natureza efetiva de direitos
patrimoniais disponíveis em discussão; quer porque é lícito às partes
pleitear ao órgão do Poder Judiciário a nulidade da sentença arbitral, nos
casos previstos na Lei especial.
Por outro lado, será denegada a homologação para o reconhecimento da
sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que,
segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser
resolvido por arbitragem, ou que a decisão ofende a ordem pública.
Como se vê, os que optam pelo processo de arbitragem acham-se protegidos
pelo superior pronunciamento do Poder Judiciário, não subsistindo mais as dúvidas
iniciais dos que, por equívoco, argüiram a sua inconstitucionalidade.
Tudo aconselha, por conseguinte, a opção pela arbitragem, em virtude da
praticidade de seu procedimento, máxime se os interessados estabelecerem, de
comum acordo, o processo de escolha dos árbitros, ou adotarem as regras de um
órgão arbitral institucional ou entidade especializada.
A meu ver, somente haverá vantagem em resolver os litígios no plano
social, evitando-se a via estatal tão congestionada esta se
encontra, como tive oportunidade de ressaltar.
Nem haverá dano para o exercício da profissão de advogado, pois este,
via de regra, será chamado para prestar assistência aos que concordaram em
submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral.
21.10.2004