A CLASSE POLÍTICA

MIGUEL REALE

 

                        Em poucos países a classe política se distingue por sua alta categoria ética e cultural. No Brasil, ela em geral é mal vista, podendo-se dizer que a política é geralmente considerada atividade desabonadora para quem nela milita.

                        Uma situação dessa natureza põe em risco a causa democrática, pois esta tem nos políticos uma de suas bases primordiais, por serem os representantes da coletividade na órbita do Estado, dos vereadores aos senadores. Daí a necessidade de seu estudo.

                        A classe política é uma das formas de “classe intelectual”, que surgiu no fim da Idade Média, como reflexo da vida universitária, ao tempo da Escolástica. Quando um pensador se desliga da Escola Medieval e passa a atuar de maneira autônoma, passa a ser propriamente um intelectual, como seriam, por exemplo, Montaigne e Machiavelli.

                        Este último é o modelo por excelência do intelectual político, pondo-se a serviço de cidades ou de nobres para obter resultados tipicamente políticos, recebendo missões e incumbências.

                        Por aí já se vê que o político, no sentido rigoroso deste termo, representa uma forma de saber, a respeito da cousa pública, no que depois viria a constituir a esfera do “constitucional”, do “econômico” e, lato sensu, do “jurídico”.

                        Trata-se, por conseguinte, de uma classe cultural autônoma e de grande valor para a vida coletiva, e que adquire feição própria com o advento da democracia, da qual constitui peça-mestra.

                        Nessa ordem de idéias, é deveras estranho que, tendo surgido trabalhos de política versando sobre a problemática do Estado, não tenha sido fundado logo, não digo escola, mas curso de Política. O que se constituiu foi curso de Jurisprudência, a qual atendeu às necessidades da vida coletiva organizada constitucionalmente.

                        Mesmo hoje, são raríssimos os cursos de Política, superando os meros cursos como os de Direito ou de Economia, apesar de já haver profundos estudos, por exemplo, de Direito Civil Constitucional, que não se conflita com o Direito Civil Privado.

                        Positivada a importância da classe política, além de ser objeto de curso universitário, deveriam os partidos cuidar da matéria, sobretudo quando conseguem eleger grande número de deputados e senadores. Dir-se-á que no Brasil já existem entidades dessa natureza, mas não com caráter pedagógico, para formação de jovens com vocação política.

                        As nossas agremiações políticas cuidam mais de resultados eleitorais, e não de matéria relativa aos poderes do Estado.

                        Compreende-se, por isso, que a Constituição de 1988, tão rica em tantos assuntos, não tenha sequer estabelecido “sistema de poder”, ou seja, forma de governo, de tal forma que não somos parlamentaristas, nem presidencialistas, ou mesmo uma combinação inteligente desses dois regimes.

                        O pior é que, entre nós, homens de Igreja tornam-se políticos, sem na realidade o serem, e o mesmo acontece com outras formas de atividade.

                        Se houvesse preocupação pela problemática política no plano ideológico ou das idéias gerais, seria suprida a falta de forma de governo, ou, por outras palavras, de nossa consciência de classe política, tal como o exige a democracia.

                        Como se vê, a situação é deveras grave, pois, repito, sem classe política, com um mínimo de preparo teórico, não existe regime democrático.

                        O resultado negativo temos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que não legislam, preferindo-se atividades de mostração, sem se cuidar de projetos de lei que a opinião pública há vários anos reclama.

                        O último recurso estará na renovação dos quadros parlamentares, o que pressupõe, porém, mudança no eleitorado. Isto posto, recaímos no tema da classe política...

                        O problema parece insolúvel, visto como, mais uma vez, a saída está na educação, havendo necessidade de “curso de cidadania”, não digo no ensino fundamental, mas pelo menos no ensino médio, sem prejuízo de também se recorrer ao curso universitário, que, qualquer que seja o seu objeto, não é incompatível com a relevância da questão que estamos abordando.

                        De outra forma, continuaremos a dizer que o povo brasileiro não possui o mínimo de cultura política, sem o qual os Poderes Legislativo e Executivo não logram alcançar os objetivos para os quais foram constituídos.

                        Por outro lado, não devemos esquecer como teremos uma via bem mais precisa, que é a da mídia, sobretudo da televisão, com programas adequados, não somente chamando a atenção para o público, mas dando noções básicas de Política, mostrando quais são os requisitos para que forme nossa classe política.

                        As empresas de televisão são concessionárias de serviço público, de tal modo que o Poder Público poderá obrigá-las a participar desse campanha inadiável. Estou convencido de que esse caminho é o que mais resultados nos pode fornecer, com benefícios até mesmo no plano do Legislativo, onde parlamentares há desprovidos de conteúdo político adequado.

                        O eleitorado tem direito de ser freqüentemente informado sobre o destino de seu voto, se foi ou não para parlamentar ativo, quer no estudo de projetos de lei, quer de emendas úteis. A televisão e o rádio poderiam dar informações a respeito, auxiliando, assim a formação de uma verdadeira classe política, na qual surgirão, a seu tempo, uns grandes estadistas.   

 

19/11/2005