QUATRO PRÊMIOS À CULTURA NACIONAL

 

MIGUEL REALE

 

                        Dia 26 de setembro último, no Palácio dos Bandeirantes, sob a presidência do preclaro Governador Geraldo Alckmin, a Fundação Bunge, novo nome da Fundação Moinho Santista, comemorava meio século de existência dedicada ao apoio de nossos valores culturais, desde o ensino fundamental à distribuição de valiosos prêmios aos que se distinguiram nas mais relevantes áreas das ciências e das artes.

                        Para comemoração da efeméride, foram eleitos quatro campos de atividade humana, no campo do agronegócio, da educação fundamental, da física e do romance.

                        A primeira, pertinente às realizações das empresas Bunge durante o corrente século, foi escolhida porque ela surpreendentemente representou na economia nacional, graças a um novo bandeirismo, não em busca de pedras preciosas, mas do cultivo e o desenvolvimento sustentado do algodão, do milho e da soja, com a definitiva conquista dos cerrados, que pareciam destinados a ser tristes desertos no território brasileiro.

                        Nunca será demais elogiar a revolução operada na agricultura nacional, que superou tradicionais e arcaicos métodos de produção, com a mecanização prodigiosa de seus trabalhos, cujos resultados atingiram inesperados índices de progresso no setor econômico.

                        A conquista do cerrado representou segunda descoberta de nosso território devido sobretudo às atividades agrícolas e pastoris, justificando-se que tenha havido dois prêmios sobre agronegócios, um destinado à juventude, que coube à Alessandra Alves de Souza, e outro, sênior, a Ernesto Paterniani, em virtude de sua bibliografia científica.

                        A segunda premiação contemplou a física, a ciência que revolucionou a sociedade, desde o espaço-tempo de Einstein até as espetaculares transformações havidas no que tange à comunicação. Se à informática acrescentamos a robótica, teremos um quadro mais completo no mundo que os físicos nos proporcionaram, a partir da passada centenária. Nessa área foram contemplados, com a láurea cabível à juventude a Pascoal José Giglio Pagliuso, e a de sênior para Sérgio Machado Rezende.

                        Tudo está preparado para a já agora inevitável globalização, com a implantação do discurso comunicativo, a que a humanidade toda pode acender, como o promete a existência da Internet, exigindo, para tanto, medidas universais de ordem econômico-financeira baseada em nova ideologia política, de cunho humanístico e social.

                        Já o terceiro galardão da Fundação Bunge foi atribuído, respectivamente, a Eliana da Costa Pereira de Menezes e Terezinha Saraiva, no concernente à educação fundamental. Nada mais urgente e relevante, no Brasil, do que a atenção dispensada ao ensino básico.

                        Nada me deixou tão decepcionado como a notícia de que figuramos entre os países onde as crianças e os adolescentes têm a menor capacidade de compreender o que falam ou escrevem.

                        Não basta, com efeito, a mera alfabetização para se dar início ao processo do conhecimento. Sem um mínimo de compreensão e de comunicabilidade não há ciência.

                        É essa grave lacuna que explica certos fatos vergonhosos, como o da altíssima reprovação dos bacharéis em Direito – muitos deles em péssimas Faculdades, seja dito desde logo – nos concursos promovidos pela Magistratura, ou nos exames da Ordem dos Advogados. Estou convencido de que, talvez a falta de preparo jurídico não seja a principal causa dos fracassos, mas a falha capacidade de expressão, pelo reduzido conhecimento da língua.

                        Finalmente, o quarto prêmio que ora estou lembrando, situou-se no plano da literatura, e, mais especificamente, do romance, tendo sido ele atribuído, respectivamente, a Adriana Lisboa e Lygia Fagundes Telles.

                        A literatura tem no Brasil uma importância singular, pois ela compõe, de maneira primordial, os elementos caracterizadores da nacionalidade. É com razão que se tem posto em evidência a importância das letras na formação de nossa comunidade cultural.  

                        Que seria o Brasil sem Machado de Assis, sem Guimarães Rosa, sem os nossos grandes poetas e prosadores? Nós somos o que empregamos, a nosso modo, na língua portuguesa, essa “flor do Lácio inculta e bela”, como o diz um verso de Bilac.

                        A esta altura, alguém perguntaria: “Ante a importância desse evento, como se explica que sobre ele tenha reinado o máximo silêncio, nenhuma notícia tendo sido dada na imprensa falada e escrita sobre o resultado do Grande Júri reunido no Salão Nobre do Tribunal de Justiça, Júri esse formado por dezenas de reitores e mestres de nossas maiores universidades, bem como de representantes das sociedades científicas que cultivam os valores objeto de apreciação”?

                        Nada explica esse silêncio, a não ser a descabida prevenção, ou a falta de atenção para com os assuntos de maior relevância para a cultura pátria. Esperamos que, no futuro, essa grande omissão venha a ser sanada.  

                        Um País não se situa no mundo em razão tão somente de seu poder político e econômico, mas sobretudo em virtude de seus valores culturais, dos quais depende o tão exigido humanismo, ou seja, o primado da pessoa humana, isolada ou coletivamente considerada.

 

08/10/2005